08/12/2012

Deserto.

Na linha da postagem anterior, Respeitável senhora, recebi de um amigo texto de Jean Yves Leloup intitulado A EXPERIÊNCIA DO DESERTO NO CORPO, do qual reproduzo trecho…

Quem sabe o que faz multiplica o efeito da ferramenta que usa; no caso, as palavras: 

“Certa vez o desgosto se apodera de todo o nosso ser: tudo tem um sabor de poeira, o corpo fica frio, cheio de febres, o ar nos sufoca. É um peso enorme que a pessoa arrasta enquanto, implacáveis, se vão escoando os dias... “Morrer – dizia o canto – não tenho medo de morrer, mas sim de envelhecer”... e, cada dia, um pouco do ouvido, um pouco da vista, um pouco do paladar me é mais distante, sempre mais ausente.

As rochas mais duras se deixam erodir pelo vento, os corpos mais sólidos se deixam levar pelo tempo, e ai ocorrem os mercadores de eterna juventude, com seus cremes, seus liftings, seus tratamentos e seus remédios, suas viagens organizadas para o esquecimento... Esperava-se um milagre, mas o que descobre é uma miragem, e cada ruga, cada achaque aí está para lembrar o imutável.

Envelhecer e recusar-se a envelhecer vai dar origem a toda a sorte de miragens; mas envelhecer e aceitar envelhecer vai ser fonte de milagres. Mesmo que seja um deserto de que se fala pouco ou se fala mal, a velhice, da mesma forma que a doença, é por vezes um deserto que se demora muito a atravessar, de onde a única saída que se vislumbra é fatal.

E, no entanto, através da aceitação do nosso ser como mortal pode despertar-se em nós o Oásis. “Tudo aquilo que é composto um dia será decomposto”. Não é uma verdade triste. É uma simples evidência. Esposar essa evidência nos torna capazes de viver com intensidade nova o “instante” presente, de lhe aproveitar as menores facetas, pois esta paisagem, este rosto, este dia-a-dia, na sua austeridade, bem sabemos que nada restará de tudo isso.

O deserto nos revela a fugacidade, a fragilidade da existência humana, e quando se renunciou às miragens, ou seja, quando se renunciou a preencher os vazios com nada, revela-se o milagre deste “instante”.

É necessário ter sido privado das pernas, para se espantar ao colocar o pé diante do outro; é necessário ter sido impedido de respirar, para se espantar com o menor movimento respiratório...

Pode se encontrar em pessoas que há muito tempo enfermas, ou em certos velhinhos, frescores de oásis, pois se há claridade no olhar de uma criança, há luminosidade no olhar de um ancião, uma luz que viu a noite, uma inocência que atravessou o deserto, uma inocência que nada ignora das durezas, dos esplendores da existência.

Son sourire brille sous la cendre: Seu sorriso brilha sob as cinzas.”